sábado, 4 de fevereiro de 2012

Grupo de Advogados emite Nota de Solidariedade ao cartunista Laerte.

Na semana passada o cartunista Laerte Coutinho - é desta forma que ele quer ser identificado publicamente, e não como Sonia, seu nome social que é usado no seu grupo de Crossdressers - sofreu constrangimento ao ser abordado pelo gerente de um restaurante que lhe pediu para deixar de usar o banheiro feminino do local, haja vista que uma outra mulher também cliente do restaurante  reclamara de sua presença naquele banheiro.

Alegou a tal cliente, para justificar sua reclamação, que tinha uma filha menor e que ela vira Laerte no banheiro feminino e isto também lhe causara constrangimento.

Não ando com muita paciência para discutir uma bobagem desta grandeza. Acho que estou mesmo de saco muito cheio de ficar dando pérolas para porcos e porcas. Esta reclamação pela "higienização de latrina" é filha de uma cultura recheada de sexismo, machismo, homofobia e outros tantos preconceitos e parece que não vai ter fim, encontrando dia a dia mais adeptos do que ratos pela cidade. As neo senhoras de santana ficam apurrinhando a vida de gente séria com bobagens moralistas e, se bobear, até invocações do nome de Deus entram nesta palhaçada.

Já deveriam estar quietas em casa, aproveitando de uma aposentadoria ou, mais provável, uma pensão de algum servidor público, tudo financiado pelo imposto do contribuinte. Digo servidor público sem preconceito algum, pois são as pensões e aposentadorias mais gordas existentes. Aposentadoria e pensão do INSS são fixadas num teto quase de "sem teto".  

Se a tal senhora de santana não quer que a filhinha, bonitinha (provavelmente que deve se chamar Daniela, Fernanda, Flávia, Denise, ou outro nome da moda) entre em contato com as muitas realidades de uma sociedade plural, que inclui obrigatoriamente aspectos e agentes de diversidade sexual. Se não quer que elazinha aprenda a respeitar as pessoas; então que leve a bonitinha para viver na DisneyLandia. Mas cuidado, pois lá também há dia do ano que a bicharada reserva para se esbaldar. Aqui em São Paulo nós também temos na semana da parada gay um dia no Play Center, que é uma versão tupiniquim desta brincadeira.

Se não quer quer a filhinha, bonitinha (provavelmente não deve se chamar Maria, Francisca, Benedita, pois isto é nome de pobre e preta, além de esteticamente muito brasileiro) viva na realidade de uma civilização que exige que gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais, interssexuais, crossdresses e outras letrinhas sejam respeitados em sua orientação sexual e identidade de gênero, que leve a bonitinha para o interior destes templos religiosos neo pentecostais de arraigado fundamentalismo religioso, pedindo a proteção divina.
O que não dá para aceitar é querer ser moderno até a página 4, como Chico Pinheiro do Telejornal Bom Dia Brasil (Tv Globo) pretendeu ser, quando sugeriu ao vivo e em cores para o Brasil a construção de um terceiro banheiro. Isto sim é travestimo de modernidade para gente de conteúdo medieval. 

O Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual - Gadvs - grupo este do qual faço parte - acaba de emitir uma nota de Solidariedade a Laerte, esperando que corações e mentes se convertam a causa dos Direitos Humanos e do respeito à Diversidade Sexual.


Eis a Nota de Solidariedade:



03/02/2012


NOTA DE SOLIDARIEDADE

a Laerte Coutinho, em prol do direito de travestis e transexuais usarem o banheiro coerente com sua identidade de gênero


O GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual, vem manifestar sua absoluta solidariedade a Laerte Coutinho, em vista de fatos ocorridos na semana passada, quando fora vítima de constrangimento em razão de seu acesso e uso de banheiro feminino em restaurante na Capital de São Paulo, fato amplamente divulgado pela mídia nacional[1].


Como se sabe, pessoas travestis e transexuais possuem uma identidade de gênero não-coincidente com seu sexo biológico. Nesse sentido, relativamente a este caso e sem estabelecer um rol taxativo, o GADvS entende que se a pessoa se apresenta vestida e se porta como pessoa do sexo oposto ao seu sexo biológico, ela deve ser respeitada nessa sua identidade de gênero, razão pela qual ela deve ter a si reconhecido o direito de usar o banheiro, ou qualquer outro espaço reservado exclusivamente para mulheres ou para homens, em conformidade com referida identidade de gênero – ou seja, homens com identidade de gênero feminina devem ter a si reconhecido o direito de usar o banheiro feminino e mulheres com identidade de gênero masculina devem ter a si reconhecido o direito a usarem o banheiro masculino.


Diversas normas constitucionais justificam a conclusão aqui esposada em prol do direito de travestis e transexuais usarem um banheiro em conformidade com sua identidade de gênero (como as consagradoras da dignidade da pessoa humana, igualdade material, liberdade de consciência e intimidade/privacidade). Cite-se em especial o artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal que expressamente declara que o Brasil é uma sociedade livre, justa, solidária e sem preconceitos e discriminações de quaisquer espécies, razão pela qual também, para o presente caso, se afigura inconstitucional a discriminação contra a identidade de gênero da pessoa.


Anote-se, ainda, que o Estado de São Paulo possui a Lei Estadual n.º 10.948/2001, que pune toda discriminação praticada contra uma pessoa em razão de sua orientação sexual ou sua identidade de gênero, sendo que constranger uma pessoa por ter usado um banheiro em conformidade com sua identidade de gênero sob o “fundamento” de que ela deveria ter usado o banheiro coerente com seu sexo biológico constitui inequívoca discriminação por identidade de gênero expressamente vedada no Estado de São Paulo.


Por todo o exposto, o GADvS vem manifestar sua absoluta solidariedade a Laerte Coutinho.


GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual




[1] Cf. http://www.diariodecuiaba.com.br/detalhe.php?cod=406034 (acesso em 01/02/12), embora caiba ressalvar que, salvo engano, Laerte (pelo menos ainda) não foi à Justiça (como dito na notícia), mas pediu providências à Coordenação Estadual de Políticas Públicas de Diversidade Sexual do Estado de São Paulo acerca do caso, ainda não havendo notícia de processo administrativo (Lei Estadual n.º 10.948/01) ou judicial sobre o caso, até porque Laerte informou que [pelo menos neste momento] não pretende acionar a Justiça, cf. http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2012/01/cartunista-que-se-veste-de-mulher-quer-usar-o-banheiro-feminino.html (acesso em 01/02/12). Para uma interessante entrevista fornecida por Laerte Coutinho à revista TRIP, vide http://revistatrip.uol.com.br/so-no-site/entrevistas/paradoxo-de-salto-alto.html (acesso em 01/02/12).

Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente Eduardo!
Sempre que vou em restaurante uso qualquer banheiro. Se tiver só um masculino e um feminino vou no que estiver disponível....! A mamãe cor-de-rosa perdeu uma grande chance de apresentar para filha a pessoa maravilhosa, inteligente,digna e que é o Laerte....